terça-feira, 16 de junho de 2009

O desejo reprimido da Tia Soraia

Bastava que os primeiros relatos dos tempos passados ganhassem a conversa para saber que tivera uma infância repleta de acontecimentos marcantes. Passado mais de meio século desde seu nascimento, Tia Soraia ostenta histórias e tanto dos tempos de menina, no interior do interior catarina. Hoje a tia vive em metrópole, em outro estado. Mas jamais se furta de contar aos familiares e chegados a infância modesta. Porém sadia e divertida.

Das mais velhas de uma verdadeira ninhada, teve que aprender desde cedo a se virar sozinha. Enquanto a maioria das meninas da mesma idade voltavam seus pensamentos para as matinês, aos rapazes e domingueiras na praça, a jovem Soraia estudava com afinco, costurava para fora e ainda reforçava o minguado caixa com aulas de bandolim, instrumento de sonoridade muito apreciado naqueles idos. Assim, ficara sem tempo para curtir a tenra idade.

Mais velha, deixara a região natal e fora para outro lugar. Não apenas para cursar o ensino superior. Queria ver coisas que antes seu mundinho a privara. Entre aulas e trabalhos acadêmicos, encontra Antognio. Conheceram-se, pegaram nas respectivas mãos e, quando a relação estava encaminhada, trouxera o carcamano para aprovação do genitor. Contra a vontade do pai, escolhera um descendente de italianos para se esposar. Como a moça já tinha praticamente a vida feita, fez pouco caso. Deu a benção e chispou os pombinhos.

Unidos, não demorou para que Tia Soraia embuchasse. Os rebentos vieram um após o outro. Ela, uma de uma ninhada, teve de passar a zelar pela própria. Os filhos cresceram, ganharam o mundo e, enfim, Soraia pode realizar suas vontades mais secretas. Umas tantas um pouco descabidas, por conta da idade. Mas dava de ombros e decidiu que não poderia mais esperar por experimentar o que a vida tinha, ou teve, a lhe oferecer. Foi numa viagem com um casal de amigos que provara a cigarrilha psicotrópica.

Estavam numa simpática pousada de uma praia paranaense. Após o churrasquinho, enquanto lavava a louça com a amiga, sentiu um cheiro que lhe remetia à juventude e suas privações. Averiguou e encontrou marido e o da outra num fumacê. Sem pedir permissão, arrancou o objeto cilíndrico da mão do cara, cheirou e experimentou, após mais de 50 anos de aguardo. Na roda, quando o sujeito ao lado estendia a mão para dar continuidade ao ritual, era advertido com um tapa e um “espera que ainda não deu nada”.

Desistiram de Soraia e foram apreciar outro longe de seus olhares. A tia dera fim no fumacento e ficara chateada com a experiência. Solitária, da sacada olhava para o céu desiludida. Pensava que veria coisas absurdas, como descreviam os amigos de colégio, décadas atrás. Imaginava que se sentiria diferente. Que de nada adiantara aquele desejo reprimido de tantos anos. Foi quando avistou algo entre as estrelas e chamou a atenção dos demais. “Antognio, vem ver. Venha logo”, brandiu.

Na acreditava que aquilo não tinha sido previsto pelas estações espaciais do mundo. Vinte anos depois, o cometa Halley dera novo ar da graça. E foi dormir menos decepcionada já que o “barato” não batera nela.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Sexagenário faz sua segunda vítima

Essa cai bem para a época: amor em evidência, Dia dos Namorados.

Preocupado com que andava a escutar pelos corredores e ao redor da máquina de cafezinho da empresa, Lourival decidiu dar um basta na promíscua e furtiva relação (de troca) que mantinha com o galante sexagenário. Os presentes eram bons, é verdade. Mas sentia que sua honradez era dissipada dado os comentários que escutava aqui e ali. As declarações públicas estavam cada vez mais frequentes e incomodam o trabalhador de máquina fotográfica em punho.

Sem que os colegas percebessem, após uma das visitinhas do vovô taradão, deixou a sala e foi ao encontro do idoso. Em frente ao elevador, rapidamente, revelara o desconforto, agradecera os regalos e tocou o pé nas nádegas do festivo velhinho. Era aparente a tristeza do vôzinho nas semanas seguintes. Nas visitas ao periódico, falava ao telefone combinando festas e finais de semanas com quem costuma brindar com fotos estampadas. Falava em voz alta. Que era para o desgraçado ter a impressão de que o “não” nem o abalara.

Fiel seguidor das notícias que rondavam aquela relação um tanto bizarra, Anderson jamais imaginara um dia passar por situação semelhante. Não pense que foi ao acaso. Partiu dele o primeiro contato com o sexagenário. Estava de olho nos presentes que o idoso distribuía a quem “lhe fizesse bem”. Com orçamento curto e a temperatura a baixar, encarou a possibilidade de passar um inverno mais quente e confortável. Roupas novas.

Não demorou muito. Esses dias apareceu com uma bela jaqueta de couro. Feliz da vida. Se gosta dessa relação, não transparece. Mas é inegável que Anderson possui melhor habilidade de negociação que Lourival.