segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pompeu, a lenda

Talvez pela proximidade entre as duas palavras, boa parte acredita que legendário tem a ver com legenda. Nada disso. Legendário é uma capacidade, uma aptidão, para poucos. Antes do sujeito vir ao mundo dos vivos brilhar e causar, papai do céu tasca o carimbinho. Legendário é a potenciabilidade do cidadão em se tornar uma lenda. Pois esta é uma história sobre uma delas. Hoje, dado o remoto tempo, uma lenda urbana mantida viva pela lembrança de uma meia dúzia.

Desde seus primeiros aniversários, Pompeu parecia um rapaz como todos os outros. Quando garoto queria ser ponta esquerda de um famoso clube do futebol, na época em ascensão. Admirado em sua terra natal, conquistaria o mundo e seus dólares. Vestiria a amarelinha. Fariam carreatas na cidade em que cresceu quando viesse passar suas férias. Porém, como todo sonho de menino, perdera o interesse. Destinava seus esforços em adquirir conhecimento e ser um cidadão direito.

E assim fora por um longo período. Até, certo dia, cansado da monotonia à espreita, decidiu que faria as coisas diferentes. Queria o inusitado. Causar mesmo. Sem fazer muito esforço, apenas dando vazão aos devaneios, cativava colegas. Juntava amigos. Era o cara da turma. Nas festinhas, enchia a própria latinha sem medo. Mamava como um cordeiro desgarrado. Assim, colocava em prática o que lhe ocorria. Passou a ser atração e sinônimo de diversão garantida ao subir nos palcos espalhados pela geografia do entorno.

Nas formaturas universitárias, só esperava a chamada para congratulação de ex-acadêmicos em cima do “stage” ao som de “Amigos para Siempre”. Estava ele, ditando o ritmo da banda. Puxando as coreografias inusitadas. Levando ao delírio a ror. Não tinha erro. No show do grupo local ou de uma bandinha dos arredores, lá estava ele. Animado, coreografado e mamado. Assim era Pompeu.

O assédio era intenso. Os seguranças já o conheciam. Dizem que umas duas empresas distribuíam fotografias do rapaz entre seus profissionais para coibir sua ação. Era tido como “O Impostor”, do Pânico na TV, daquele tempo. Burlava sistemas e tava lá no alto. Causando. Foi quando tentou o seu golpe mais agudo. No show de um cantor popularesco em uma cidade vizinha. O interprete, na época, andava em alta. Sua música era a mais tocada nas rádios com programação dedicada as domésticas, vigias e porteiros.

Na determinada hora e local, lá estava ele. As primeiras dancinhas rolavam e ele alongava. Na hora do bis era certo que soaria a canção contagiava corações, matinês e preferências. Soaram os primeiros acordes e foi na turma do gargarejo. Na hora do refrão, no vacilo da linha defensiva, lá estava ele. Ensinando o ídolo de muitos que aquela dança era para poucos. Foi ovacionado e tirado de sobre o palco.

Parcos registros fotográficos mantém a prova cabal. O assunto tomou conta da região sul de todo o globo terrestre. Editores estampavam manchetes e reclamavam da falta de imagens de Pompeu. Os chegados prepararam uma homenagem. Destituída quando saiu um decreto municipal, publicado em forma de edital. O prefeito em pessoa entregaria a chave da cidade ao autor da façanha. Quem sabe até ofertaria uma cadeira numa repartição. Mas desde então, resolveu deixar as estripulias de lado. No dia do retorno, desviou a atenção dos batedores da Polícia Militar. Entrou pelos fundos. Deixou o circo armado a esperar até que cansassem e desistissem daquela homenagem.

E até hoje, numa formatura universitária, num show de um artista apreciado, uns se relembram com lágrimas nos olhos. Ainda que o sorriso esteja no rosto. Outros ao ouvir a canção “Festa no apê”, levantam-se, colocam os braços para trás, com uma mão segurando a outra, sobre a lomba das nádegas, e aguardam até o fim da melodia em respeito à lenda que ficou para trás sem deixar o legado ou herdeiros.