A casa ficava no interior de uma pequena cidade. O provento do lar vinha da lavoura e dos trabalhos esporádicos que o patriarca fazia. Muitas bocas a alimentar. Para piorar, o calendário era de algum ano da década 1970. Era este era o cenário da família Cirilo, descendência italiana, que vivia por este Sul do mundo. Vivam dignamente. De acordo com suas precárias possibilidade.
Por causa das finanças domésticas curtíssimas, nem rádio possuíam. Fator que explica a “ninhada” de dona Mariazinha: 10 rebentos. Bastava ela olhar para as vestes íntimas do marido penduradas no varal que a barriga começava a crescer. Os moradores daquele vilarejo, inclusive, contam que a partir do sétimo filho, Mariazinha nem se dava ao trabalho. Acocorava-se, paria, dava palmadas na criança e a colocava para conviver com as demais. Ainda meio suja da bolsa amniótica.
Na velha casa de madeira haviam cinco cômodos: sala, cozinha e três quartos. Dos três, um para o casal, outro para a filharada e o terceiro era o sagrado quarto de visitas. Naquele tempo, as dependências sanitárias eram construídas separadamente. A patente, como chamavam aquelas casinhas, ficava uns 50 metros da casa. Nos fundos do quintal. A ninhada dormia toda em um único aposento. Não podiam invadir o espaço destinado a acomodar os eventuais visitantes.
Sem conjunto de prato e talheres para todos, Mariazinha servia as refeições aos rebentos em grandes bacias. Também poupava água para lavar a louça. Cada qual com a sua colher ao redor da gamela. Vez ou outra os irmãos se estranhavam. Aquele que preferia “reservar” uma coxa de frango, por exemplo, num piscar de olhos, numa distração, corria o risco de ficar sem. Ao redirecionar a visão para a refeição e não encontrar o que guardara para comer no fim, lançava-se contra o alvo de suas suspeitas. Ao redor da bacia, guerra declarada.
Numa fria noite de inverno, Celsinho, uns oito anos, acordara apurado. Precisava fazer um número dois. Fax ainda era algo remoto. Como de hábito, o mais novo acordava um irmão mais velho que dormia ao lado para acompanhar até aquela casinha. Era preciso esperar que tudo deixasse de ser necessidade para, aí sim, voltar ao sono. Embalados, alguns não cediam às súplicas e voltavam a dormir. Sozinho, o pequeno Celso deixou o quarto e voltou minutos depois, sem fazer barulho ou alarde.
Naquele fim de semana os Cirilos receberam a visita dos tios Adamastor e Emengarda. Adamastor era irmão do patriarca Elviro. Iriam pernoitar naquela casa apertada. O quarto destinado aos visitantes ganharia utilidade. À noite, após o jantar, as lamparinas se apagaram. Todos para a cama. Na calada da noite, incomodado. Seu Elviro entrara no quarto e acordara o casal anfitrião e hospitaleiro. Não conseguia pegar no sono devido ao forte mau cheiro no recinto. Desconfiava de um animal morto e da higiene dos parentes.
O dono da casa garantiu que eram “limpinhos”, mas, ao entrar no quarto reconheceu que odor realmente incomodava. Que era de tirar o sono. Vasculharam o cômodo tentando encontrar o gerador do forte cheio. Sem sucesso, deram a própria cama ainda quente aos visitantes e ficaram com o quarto das visitas. Nas primeiras horas do dia, com o quarto iluminado, certamente encontrariam algo que justificasse aquela verdadeira catinga.
Não apenas descobriram o motivo do fedor no quarto ao lado, como acharam a causa do apuro de Celsinho, há poucos dias. Entre as tralhas debaixo da cama, um guarda-chuva, ao ser aberto revelava um montinho estranho. Para não ter de atravessar o quintal solitário, o menino defecou dentro do guarda-chuva, fechou e o colocou de baixo da cama do cômodo de visitantes.
terça-feira, 19 de maio de 2009
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Um comentário:
Hehehhe, patente é roots! Mas tem coisa mais bizarra que aquilo? Só viveu quem já conheceu uma boa patente e a privada sem vaso nordestina - ainda que não necessariamente tenha feito uso de ambos (Deusmelivre). Celsinho mandou bem! Beijo!
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