sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O pecado da gula visto sob os olhos de uma criança

Por Samira Pereira

Sempre fui uma criança ativa e cheia de ideias mirabolantes. Aprontei muito – de forma saudável-, e não nego, sou responsável por grande parte dos fios de cabelos brancos que se encontram nas cabeças de meus pais. Posso citar intermináveis exemplos de minha peraltice, mas aqui enalteço uma, que por acaso era um dos meus maiores divertimentos. Costumava achar os pedaços de barro mais bonitos do barranco que fica próximo à minha casa. Depois deste árduo trabalho, dividia as partezinhas em bronze, prata e ouro, conforme sua beleza e cor. Por fim, após passar horas procurando e separando, comia todas elas. Isso mesmo. Pode parecer coisa de gente louca, mas eu considero algo típico de criança. É verdade que nunca vi nenhuma delas fazendo isto, mas não deixo de pensar que a brincadeira é própria da idade - cerca de cinco anos.

Quando fui descoberta por minha mãe, levei uma baita bronca. Ela alegava que eu ficaria doente, teria que levar várias injeções e ficar internada. Papo de mãe, não é mesmo? Discurso muito parecido ao de quando ela percebeu que eu comia todas as cabecinhas vermelhas dos palitos de fósforo. Afinal, fósforo é um elemento químico. E este tipo de substância faz bem ao corpo humano. Pelo menos era isso que eu imaginava. Pensava estar me fortalecendo provando aquelas deliciosas pontinhas cor da paixão que estalavam na boca. Elas eram azedinhas, como eu gostava. Depois de destruir várias caixas dos palitos, fui obrigada e deixá-los de lado. O medo de ir ao hospital era maior do que a vontade de comer.

E assim, deixando-me levar pelo pecado da gula, tomei chá de formiga, já que diziam ser bom para dor de barriga e comi capim, que era um vegetal (sempre soube que as folhas faziam bem ao organismo) que as vacas saboreavam com tanto gosto. Hoje, olho para trás e percebo o quão inocente e sapeca fui durante a minha infância. A curiosidade era maior que a razão. Sempre foi, e por vezes continua sendo. Não como mais o barro nem a cabeça do fósforo porque sei que existem alimentos um pouco mais saudáveis e apetitosos que eu possa saborear. Também não provo mais folhinhas de capim, deixo para as vacas, elas parecem mais felizes com a comida. E o chá de formigas? Prefiro deixar os bichinhos viverem em paz.

São pedacinhos de uma infância repleta de lembranças, e boas lembranças. Quando tiver um filho, alertarei que a porta do hospital é a serventia da casa... Se ele vier a comer algo incomum ao meu atual paladar, a injeção é certa. Assim como a palmada se cortar em retalhos o jogo de lençol novo. Mas deixa pra lá, esta já é outra história!

Um comentário:

João Pedro Alves disse...

hahaha Olha só essa Samira! Mas que texto bem feito, parabéns a ela. Sem dúvida merece constar neste blog.