Como era sabido o pequeno Heraldinho. Com apenas três anos desfiava pronúncias perfeitas e concordâncias idem. Até arriscava alguns vocábulos em inglês. Era o orgulho de titias e vovós. Babona, a mãe alçara o rapazinho à condição de gênio. Os mais próximos suplicavam para que dona Margarete não queimasse etapas e o colocasse na universidade antes dos 10.
Tinha uma memória surpreendente. Heraldo aprendia rápido. Se avistava um adulto com um livro grosso e cheio de mapas, perguntava: “O que você está lendo?”. Genericamente, o mais velho dizia que folheava um livro. “Não, é um atlas”, respondia de bate pronto e dava as costas, desconcertando o cidadão sentado ao sofá.
Não pense que Heraldinho gostava apenas de coletar informação e esfregá-la na cara dos com mais idade ao redor. Como qualquer criança, adorava brincar. E como brincava. Arrastava um tio desavisado e escravizava o indivíduo com súplicas para que a diversão não fosse abreviada. Pedidos prontamente atendidos.
Dia desses, envolto de amigas da mãe e titias, exibia um belo traje de profissional da medicina, da área da saúde. Com jaleco e um estetoscópio de plástico ao redor do pescoço, aplicava injeções e colocava o termômetro sob as axilas de quem passava. Talvez por desconhecer as proezas do menininho, um desavisado passou próximo e tentou fazer graça. “Tás que é um rei. Hein, Heraldinho?”. O pequeno não titubeou. “Não, estou de médico. Doutor Heraldo. Em que posso ser útil?”.
sexta-feira, 23 de julho de 2010
terça-feira, 6 de julho de 2010
Coisas de Candinha
Dona Candinha parecia ser uma daquelas velhinhas fofinhas e cheio de manias estranhas depois que a porta de frente da casa fecha. E era mesmo. Na mais tenra idade botou no mundo os filhos, deixou o marido e foi trabalhar numa capital. Para quem não conhece seus anos que não voltam mais, e há tempos já se foram, conta que fora diplomata, que falava com gente de todo o mundo. Na verdade, era recepcionista de uma importadora na década de 1970. Eu disse que era fofinha e estranha. Avisei.
Cansada de tanta diplomacia, assim que pode levou o papel no INSS e resolveu, definitivamente, que daria férias aos seus pés cansados. Já viúva, procurou um bom partido e sossegou o facho. Num dia desses de lá para cá, seu mundo quase virou quando viveu a iminência de ser uma nova rica, fruto de um sorteio de uma das loterias nacionais. Naquela noite nem dormira, pensando em quantos e como iria ajudar.
Na manhã seguinte, Candinha bateu tamanca no calçadão. Ralhou com a mocinha da casa lotérica. Cismava que as seis dezenas estavam erradas. Que as da folhinha em mãos eram as que davam direito à bolada. Demorou algumas horas para se dar conta de que alguém tinha anotado seus números e passado como as sorteadas. Voltou para casa tão pobre quanto antes.
Pois um dia, o marido passou mal. Voltou para casa numa cadeira de rodas e meses depois mudou seu endereço para o céu. Deixou a cama e a casa da Candinha vazia. Luto finito, foi a um desses encontros de idosos. Insistência de uma amiga, “aquela velha que tem cheiro de casa suja”, referia-se enquanto a outra não estava por perto.
No salão, acomodava a taróba na cadeira e de lá saia só quando a última seresta soasse. Foi na semana seguinte, outra vez. Viu o baile todo passar em frente ao seu nariz e se levantou apenas para fazer um xixinho. E assim eram os bailinhos dali por diante. Familiarizados com a figura de Candinha, os velhinhos tentavam tirar a senhora para bailar. Eram todos repelidos. Os mais insistentes tomavam pisão no pé.
Ao final de mais um evento do gênero, a amiga perguntou porquê ela não dançava com os senhores, porquê ficava de telespectadora das festinhas. A resposta estava pronta para escorrer pela língua e ganhar o ambiente. “Enquanto todos saem cansados, vou para casa com os meus pés descansados”, afirmou Candinha, fazendo jus ao voto de férias às extremidades dos membros inferiores.
- - -
NdA:
Abraços aos que não perderam a esperança de um novo post.
Quando percebi a pastinha tinha muito mais textos de trabalho e faziam exatos seis meses que não postava nada, “simexi”. Até daqui outros seis. Quiçá.
Cansada de tanta diplomacia, assim que pode levou o papel no INSS e resolveu, definitivamente, que daria férias aos seus pés cansados. Já viúva, procurou um bom partido e sossegou o facho. Num dia desses de lá para cá, seu mundo quase virou quando viveu a iminência de ser uma nova rica, fruto de um sorteio de uma das loterias nacionais. Naquela noite nem dormira, pensando em quantos e como iria ajudar.
Na manhã seguinte, Candinha bateu tamanca no calçadão. Ralhou com a mocinha da casa lotérica. Cismava que as seis dezenas estavam erradas. Que as da folhinha em mãos eram as que davam direito à bolada. Demorou algumas horas para se dar conta de que alguém tinha anotado seus números e passado como as sorteadas. Voltou para casa tão pobre quanto antes.
Pois um dia, o marido passou mal. Voltou para casa numa cadeira de rodas e meses depois mudou seu endereço para o céu. Deixou a cama e a casa da Candinha vazia. Luto finito, foi a um desses encontros de idosos. Insistência de uma amiga, “aquela velha que tem cheiro de casa suja”, referia-se enquanto a outra não estava por perto.
No salão, acomodava a taróba na cadeira e de lá saia só quando a última seresta soasse. Foi na semana seguinte, outra vez. Viu o baile todo passar em frente ao seu nariz e se levantou apenas para fazer um xixinho. E assim eram os bailinhos dali por diante. Familiarizados com a figura de Candinha, os velhinhos tentavam tirar a senhora para bailar. Eram todos repelidos. Os mais insistentes tomavam pisão no pé.
Ao final de mais um evento do gênero, a amiga perguntou porquê ela não dançava com os senhores, porquê ficava de telespectadora das festinhas. A resposta estava pronta para escorrer pela língua e ganhar o ambiente. “Enquanto todos saem cansados, vou para casa com os meus pés descansados”, afirmou Candinha, fazendo jus ao voto de férias às extremidades dos membros inferiores.
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NdA:
Abraços aos que não perderam a esperança de um novo post.
Quando percebi a pastinha tinha muito mais textos de trabalho e faziam exatos seis meses que não postava nada, “simexi”. Até daqui outros seis. Quiçá.
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