Mão de vaca, mão fechada, pão-duro, murrinha, sovina, avaro. Todo mundo tem alguém na família ou conhece alguém que se encaixe perfeitamente no rol de adjetivos listados. Genealogicamente, sempre tem aquele tio que deveria até receber medalha pela façanha: cruzar o oceano com o torrão de sal na mão sem se dissolver. O Comitê Olímpico Internacional até poderia incluir a modalidade nas próximas Olimpíadas. Fica a sugestão.
O tio Sebastião era um exemplar típico da turma que pede para completar o tanque do automóvel com dois e cinquenta e sete (duas moedinhas de um centavo). Nem sempre Titio Tião foi assim. Trabalhador desde pequeno, aprendera dar valor ao fruto do suor da testa. Aprendera a se planejar, investir com segurança. Quando garoto trocava a bicicleta por uma melhor. Depois do casamento, adquiria imóveis.
Mas, lá pelas tantas, talvez por conta da velhice que batia a porta ou por temer não deixar um patrimônio aos filhos, incorporou a filosofia dos nadadores de punhos cerrados e pitada de sal na mão, bem fechada. Em casa, a caixa de leite longa vida tinha que durar. Achava um absurdo o preço do produto nas gôndolas supermercadistas. Economizava ao extremo. No fim da caixinha, virava-a esperando que as últimas gotas virassem um oceano dentro do copo. Na sequência, desfazia as dobras da embalagem a fim de mais um pouco do líquido alvo. Não contente, colocava um pouquinho d´água, agitava e derramava no recipiente em que iria beber. E, por fim, com a faca na mão, cortava a caixa e lambia seu interior. Ritual que causava embaraço aos familiares e divertia (ainda que de maneira contida) as visitas.
Obstinado em formar uma ampla biblioteca pessoal em que os grandes clássicos da literatura mundial não poderiam estar ausentes, pesquisara a melhor maneira (logo, a menos dispendiosa) de adquirir volumes. Encarava 15 horas dentro de um ônibus rumo à capital paulista para esbaldar-se nos sebos da Terra da Garoa. “É impressionante. Tem tudo. Um real por título”, gabava-se. Voltava com a valise de rodinhas repleta de novas aquisições.
Porém nenhum relato é tão forte quanto o seguinte. “Tirem as crianças da sala”, diria um engraçadinho. Faria uma viagem rumo às belezas naturais do Mercosul. Claro. Se fosse para fazer turismo, tinha que ser para ver a natureza. Porque não é preciso desembolsar um vintém sequer. Antes de embarcar em sua aventura, um amigo próximo alertara. “Abre a mão um pouquinho, Tião. Pelo menos para segurar o volante”. Pegou a estrada nas primeiras horas do dia.
Durante o trajeto, praças de pedágios indesviáveis. Sabia da adversidade. Havia planejado. Contara em quantas teria de passar. Por isso deixava os contados sete e sessenta e cinco separados em pequenos montes, que era para os funcionários da porteira não tentarem afanar os centavos alegando falta de troco. Rodados vários quilômetros, a manhã tomava corpo, o sol brilhava e Tio Tião tinha pela frente o último pedágio. Parou o veículo e escutou a mocinha. “Bom dia. Nove e trinta, senhor”.
Tião considerou aquilo ultrajante e chamou os tiras. Pobre moça. Queria apenas ser gentil com aquele senhor, informando a hora exata.
terça-feira, 31 de março de 2009
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Um comentário:
Hehehhehehe... a dos livros é ok, a da caixinha de leite, foda... Mas eu conheço uma família que, diz a lenda, pra não ter que gastar com papel higiênico, adotou uma esponja "comunitária" que ficava bem instalada do ladinho da privada. Juro.
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