Adão e Eva foram expulsos do paraíso. A historia bíblica todo mundo já ouviu falar. O que pouca gente sabe é que na década de 1950 era a uva o fruto proibido. Obviamente, não tinha as mesmas restrições do que o alimento que dava no pé em que morava uma serpente. Em uma específica época do ano, naqueles tempos, o consumo era considerado pecado. Fruto que rendia oras de penitência após a confissão ao pároco.
Em seus tenros 10 anos, Joaquim não tinha conhecimento do fato. Na década, anos 50, a semana santa já tinha início no final da tarde de terça-feira. Adultos e idosos jejuavam de verdade. Apenas uma refeição por dia em que se consumia o mínimo. Em algumas casas, como a de Quinzinho, as obrigações eram exigidas dos mais jovens. As ruas ficavam vazias. As crianças não podiam brincar. Tédio geral entre a molecada. Ainda, a comunicação entre as pessoas era mínima. Leves e lentos acenos com as mãos e cabeça. Olhares limitados. As conversas tinham um tom quase inaudível e de parcas palavras.
Já na quinta-feira, faminto e entediado, Quim acordara com um desejo incontrolável de comer uvas. De família muito simples e jovial para o trabalho, não tinha um níquel sequer nos bolsos das calças curtas ou guardado em uma caixinha de papelão. Passará a manhã toda sonhando com cachos bem fornidos e repletos de bolinhas adocicadas. Resolvera então tomar uma cédula de uma bolsa desavisada ao alcance de seus olhinhos curiosos e mãos com dedos pequeninos.
Em vistoria pelo recinto, mirara a bolsa da Tia Zezé, que dera o ar da graça há poucos minutos. Foi aumentar o silencioso coro de orações. Sem nenhuma noção do valor de dinheiro, furtivamente abriu o objeto e puxara a primeira cédula à vista. Era uma nota de 20 cruzeiros. Que nos dias de hoje equivaleria algo superior a 100 reais. Partiu para um armazém nas cercanias que se gabava das melhores e mais doces frutas do vilarejo.
Na ponta dos pés e escorado no balcão, mostrou a nota e apontou para as frutas pequenas e rotundas. “Tudo de uvas, senhora”, ordenara Quinzinho à senhora do estabelecimento. A mulher queria saber a finalidade da grande quantidade. “Sua mãe fará doce de uva?”. O menino assentiu. Depois, perguntara pela cesta. Naqueles tempos não existiam sacolas plásticas. Os consumidores eram obrigados a portar de casa o recipiente para acomodar as compras durante o trajeto de volta. Joaquim disse esquecera e que voltaria em breve para consumar a compra. “Traga uma das grandes”, orientou a balconista, sabendo que seria uma compra e tanto. Quiçá, liquidaria o estoque do fruto da venda.
Em alguns minutos ele retornava ao local com uma cesta de palhas de tamanho quase equivalente ao seu. A senhora do estabelecimento enchera o recipiente e Quinzinho subia a ladeira arrastando cachos e mais cachos da fruta predileta com dificuldade e esforço. Encontrou um cantinho no rancho nos fundos da casa e iniciara a comilança, silencioso. Com língua e dentes arroxeados, mais do que satisfeito, minutos depois, percebera que a quantidade do cesto praticamente não alterara. Resolvera ser gentil com os primos mais jovens, que eram forçados a irem até a casa de parentes para não fazerem nada durante os dias santos.
Discretamente, chamara um a um. Instantes após, eram seis ou sete pequenos, todos mais jovens que Quim, ao redor do cesto cheio. O rapaz poderia não saber o valor do dinheiro na época. Mas certamente tinha noção, dado o volume no cesto, que cometera um furto e tanto. Por isso, controlava os priminhos para que não deixassem o local com indícios do consumo de uvas. Muito menos com o fruto em mãos. Pedia para que não fizessem barulho.
Não adiantou muito e a pequena Dorotéia aparecera na sala com uma baguinha na palma da mão, causando espanto aos adultos. Dona Diva, mãe de Joaquim, questionara onde Téia encontrara uvas. A minúscula dedo de seta caguetara o primo. Enfurecida, a prever o meio em que o filho conseguira fundos para adquirir frutas, Diva partiu em busca do rapazinho. Deu de cara com a cesta ainda cheia e a molecada a correr. Joaquim permanecera. Imóvel, imaginava o que poderia lhe ocorrer.
Diva pegou o rapaz por uma das orelhas e levou-o até seu quarto. No recinto havia uma pequena janela para o quintal. Joaquim via a mãe em frente a um marmeleiro. A senhora escolhia uma das varinhas que cresciam na árvore. Selecionava uma poderosa e temida vara de marmelo. Artefato que ainda causa calafrios a alguns que hoje já cruzaram os 50 anos. De posse de uma que julgou melhor, voltou ao interior da residência.
Joaquim suava frio e engolia o choro. Diva aparecera na porta. Tomou o menino e colocou Joaquim de bruços na cama. Sem piedade, puniu o rapaz com golpes fortes da tal vara. A cada estocada, uma nova tira avermelhada emergira da pele clara das pernas do garoto. A senhora deve ter praticado o ato por não mais do que cinco minutos. Joaquim tinha a sensação que estava a receber os golpes por cinco horas.
Diva concluíra a punição exemplar. Esperava que depois daquela lição o filho jamais roubaria bolsas desavisadas e comeria uvas em dias sagrados. Quinzinho estava aos prantos. Magoado. Não lhe doíam as escoriações. Muito menos a vergonha que fatalmente sentiria nos próximos 10 dias, em que os vergões estariam expostos por conta das calças curtas, traje comum da época. O que causava enorme aperto no peito é que não conseguia entender como a mãe teve coragem de aplicar-lhe uma surra monumental daquelas. Em pleno dia santo.
sábado, 25 de julho de 2009
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3 comentários:
Putz! 100 conto de uva? Mulherzinha esperta, a do armazém, né? E o preju, alguém arcou? Na casa de um conhecido a surra tbem vinha, mas só depois do domingo santo. Mas a raiva tinha a mesma intensidade...
Se fosse no teu caso, jah sei ateh o que tua ia comprar: vê tudo de chocolate rsrsrs
Tudo de vodka, não?
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