Ele via a faixa dos 50 à sua frente, pertinho. Ela recém cruzara as dos 40, pouco tempo depois. Se tivessem se conhecido anos antes, jamais imaginariam que um dia haveria “ois” e “boa tarde” entre os dois. A sugestão foi de uma amiga em comum, irmã dela, casada com o amigo do quase cinquentão. No bom sentido, a moça introduziu um ao outro. Ela recatada, ele mais rodado que o estepe do motorhome do Tio Sebastião.
A introdutora alertara: “É um caco. Mas, é um caco bom, sabe?”, resumindo para a irmã mais velha. Conheceram-se, trocaram telefones. Também carícias, telefonemas depois. Ele estava sozinho há alguns meses. Ela há alguns verões. “Por que não?”, pensavam em uníssono, cada um de sua janela. Engataram. E assim ficaram durante o período permitido.
Empresário com negócios no exterior, passara o período de férias em terreno brazuca. Ele precisava retomar o ganha-pão além mar deixado para trás, meses antes. Apaixonada, ela não conseguia entender como o forte candidato a impor a coroa de príncipe encantado a deixaria ali. Depois de anos de ventania, enfim conseguira catar um pedaço de papel.
Ele foi. Ela não. O primeiro manteve sua rotina de trabalhos quase forçados em terras inóspitas. A cidadã teve de encarar novamente o vento forte à cara. Com ele por lá e com a ferida da partida ainda aberta, ela voltou à realidade e encontrou um novo candidato à tampa da sua panela. Envolveu-se com o “tampa” e apresentou-o aos pais. Estava certa que finalmente encontrara a sandália para seus pés tão cansados.
Ele voltou para o período de férias em terras canárias. Ela estava com o “tampa”, ainda que as coisas não andassem em ebulição, como presumia como seria o amor de sua vida. Ele voltou à labuta, novamente, de olho num cargo diplomático na terra-natal. Ela manteve o “tampa”, até que a fervura do caldo levantou e tornou a situação insustentável. Após a decepção, decidira que tão cedo não iria se envolver com alguém e apresentá-lo aos fadigados pais e mães.
Ele voltou, como de hábito, absoluto que adquiriria o cargo cobiçado, e depois, conquistado. Ela pensava em dar um tempo nesta história de tampas e sandálias. Prometera às suas primogênitas que ficaria longe de par de calças que aparecessem em meio aos fortes ventos. Porém, ao saber da condição dela, ele encheu-se de esperança. Ainda que contida, ela nutria algumas esperanças.
Ocasionalmente, ele a procurara em meio ao tumulto de um baile badalado na cidadezinha querida. Ela confessou o que ocorrera até ali e a condição de panela destampada em que se encontrava. Porém, alertou que a pressão familiar era das grandes. Que tão cedo não deveria haver envolvimento, com medo das reprimendas do paterno. Tornaram-se segredo. Diante da platéia.
Encontravam-se furtivamente, mantendo a chama de anos atrás viva. Tudo era levado em absoluto sigilo. Ela dizia que iria à até esquina comprar cigarros – mesmo sendo não adepta ao tabagismo. Já que morava sozinho, ele não dava muitas explicações. Passara a chamá-la de “meu segredo”. Fins de semana e durante os dias de labuta, os dois encontravam-se vez ou outra. Passavam a limpo os dias desde a última vez que se encontraram e davam continuidade aquele pacto. Carinhosamente, ele a chamava de “meu segredo”. Ela adorava aquilo, como doce palavras fossem.
Porém, a cada dia, o segredo parecia com tudo menos um segredo. Saiam separados, mas compartilhavam a mesma mesa no bar. Em seguida, saiam juntos e compartilhavam a mesma mesa do barzinho. Na cara dura, ainda que “meu segredo”. Ela contara às filhas, que reagiram com receio. Ele, aos seus garotos, que manifestaram esperança de o papai já cinquentinha, como preferia, sossegasse seu facho.
Numa destas saídas do quase decifrável segredo, ele não se conteve. Puxou a senhorinha para dançar no embalo da banda do barzinho _ com um pianista afinadíssimo. A turma de cidade pequena, boquiaberta desviara a atenção para a cena. Ao soar a última nota, embriagado pela situação, ele tascara aquele beijo na boca. Uns afirmar categóricos terem visto uma língua entre os lábios. Revelara aos munícipes o que antes reprimia diante de toda a sociedade.
Segredo revelado, pediu a ela uma desculpa solene. Teria passado dos limites naquele momento. Ainda, que não gostaria de alimentar falsas esperanças nela. Desfariam o re-relacionamento. Desmancharam os laços. Ele alegava para si e aos mais próximos: “Bom mesmo era o segredo”, justificou.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
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Um comentário:
Acho muito legais as metáforas como tampa da panela, sandálias para os pés cansados.. haha
Qualquer hora pretendo me aventurar e postar histórias no meu blog (sem nenhum atrevimento de comparar-me ao mestre. heheh
Um forte abraço!
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