Com cabelos branquinhos e passos curtos e lentos, recém saídas de um consultório médico, três senhorinhas andam pelas calçadas da cidade. Na tarde ensolarada, porém gelada, discutem sobre os remédios receitados pelo médico. Uma palavra por passada. Tomam todo o passeio, lado a lado, atrapalhando os bem mais apressados.
- Acho melhor anotar o nome do remédio para não esquecer - sugere uma delas.
- É mesmo. Alguma de vocês tem uma... Como é mesmo? Aquele objeto para escrever. Tava na ponta da língua - diz outra.
- Uma pena! - arrisca a mais saudosa.
- Não. Uma que inventaram depois. Qual era o nome? - responde a esquecida.
- Acho que a senhora se refere à caneta - comenta a terceira.
- Isso mesmo, como poderia ter esquecido. Caneta. Alguém tem uma na bolsa?
Uma delas para e abre a bolsa. Bota os óculos e passa a vasculhar o interior. Enquanto isso, um ciclista desvia com tudo para a estrada e é saudado por buzinadas do motorista que quase o atropelara.
- Como esse pessoal anda mal educado, vou te contar - resmunga uma avozinha, olhando ao redor.
A grisalhinha toma a caneta e um papel - pronta para escrever o nome do medicamento.
- Qual era o nome do remédio, mesmo? O médico disse que era muito bom para a memória - tenta lembrar.
- Pois agora - fala outra com semblante de leve desespero.
- Memoriol? – esforça-se a outra.
- Acho que é esse.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
sexta-feira, 23 de julho de 2010
Sapiência infantil
Como era sabido o pequeno Heraldinho. Com apenas três anos desfiava pronúncias perfeitas e concordâncias idem. Até arriscava alguns vocábulos em inglês. Era o orgulho de titias e vovós. Babona, a mãe alçara o rapazinho à condição de gênio. Os mais próximos suplicavam para que dona Margarete não queimasse etapas e o colocasse na universidade antes dos 10.
Tinha uma memória surpreendente. Heraldo aprendia rápido. Se avistava um adulto com um livro grosso e cheio de mapas, perguntava: “O que você está lendo?”. Genericamente, o mais velho dizia que folheava um livro. “Não, é um atlas”, respondia de bate pronto e dava as costas, desconcertando o cidadão sentado ao sofá.
Não pense que Heraldinho gostava apenas de coletar informação e esfregá-la na cara dos com mais idade ao redor. Como qualquer criança, adorava brincar. E como brincava. Arrastava um tio desavisado e escravizava o indivíduo com súplicas para que a diversão não fosse abreviada. Pedidos prontamente atendidos.
Dia desses, envolto de amigas da mãe e titias, exibia um belo traje de profissional da medicina, da área da saúde. Com jaleco e um estetoscópio de plástico ao redor do pescoço, aplicava injeções e colocava o termômetro sob as axilas de quem passava. Talvez por desconhecer as proezas do menininho, um desavisado passou próximo e tentou fazer graça. “Tás que é um rei. Hein, Heraldinho?”. O pequeno não titubeou. “Não, estou de médico. Doutor Heraldo. Em que posso ser útil?”.
Tinha uma memória surpreendente. Heraldo aprendia rápido. Se avistava um adulto com um livro grosso e cheio de mapas, perguntava: “O que você está lendo?”. Genericamente, o mais velho dizia que folheava um livro. “Não, é um atlas”, respondia de bate pronto e dava as costas, desconcertando o cidadão sentado ao sofá.
Não pense que Heraldinho gostava apenas de coletar informação e esfregá-la na cara dos com mais idade ao redor. Como qualquer criança, adorava brincar. E como brincava. Arrastava um tio desavisado e escravizava o indivíduo com súplicas para que a diversão não fosse abreviada. Pedidos prontamente atendidos.
Dia desses, envolto de amigas da mãe e titias, exibia um belo traje de profissional da medicina, da área da saúde. Com jaleco e um estetoscópio de plástico ao redor do pescoço, aplicava injeções e colocava o termômetro sob as axilas de quem passava. Talvez por desconhecer as proezas do menininho, um desavisado passou próximo e tentou fazer graça. “Tás que é um rei. Hein, Heraldinho?”. O pequeno não titubeou. “Não, estou de médico. Doutor Heraldo. Em que posso ser útil?”.
terça-feira, 6 de julho de 2010
Coisas de Candinha
Dona Candinha parecia ser uma daquelas velhinhas fofinhas e cheio de manias estranhas depois que a porta de frente da casa fecha. E era mesmo. Na mais tenra idade botou no mundo os filhos, deixou o marido e foi trabalhar numa capital. Para quem não conhece seus anos que não voltam mais, e há tempos já se foram, conta que fora diplomata, que falava com gente de todo o mundo. Na verdade, era recepcionista de uma importadora na década de 1970. Eu disse que era fofinha e estranha. Avisei.
Cansada de tanta diplomacia, assim que pode levou o papel no INSS e resolveu, definitivamente, que daria férias aos seus pés cansados. Já viúva, procurou um bom partido e sossegou o facho. Num dia desses de lá para cá, seu mundo quase virou quando viveu a iminência de ser uma nova rica, fruto de um sorteio de uma das loterias nacionais. Naquela noite nem dormira, pensando em quantos e como iria ajudar.
Na manhã seguinte, Candinha bateu tamanca no calçadão. Ralhou com a mocinha da casa lotérica. Cismava que as seis dezenas estavam erradas. Que as da folhinha em mãos eram as que davam direito à bolada. Demorou algumas horas para se dar conta de que alguém tinha anotado seus números e passado como as sorteadas. Voltou para casa tão pobre quanto antes.
Pois um dia, o marido passou mal. Voltou para casa numa cadeira de rodas e meses depois mudou seu endereço para o céu. Deixou a cama e a casa da Candinha vazia. Luto finito, foi a um desses encontros de idosos. Insistência de uma amiga, “aquela velha que tem cheiro de casa suja”, referia-se enquanto a outra não estava por perto.
No salão, acomodava a taróba na cadeira e de lá saia só quando a última seresta soasse. Foi na semana seguinte, outra vez. Viu o baile todo passar em frente ao seu nariz e se levantou apenas para fazer um xixinho. E assim eram os bailinhos dali por diante. Familiarizados com a figura de Candinha, os velhinhos tentavam tirar a senhora para bailar. Eram todos repelidos. Os mais insistentes tomavam pisão no pé.
Ao final de mais um evento do gênero, a amiga perguntou porquê ela não dançava com os senhores, porquê ficava de telespectadora das festinhas. A resposta estava pronta para escorrer pela língua e ganhar o ambiente. “Enquanto todos saem cansados, vou para casa com os meus pés descansados”, afirmou Candinha, fazendo jus ao voto de férias às extremidades dos membros inferiores.
- - -
NdA:
Abraços aos que não perderam a esperança de um novo post.
Quando percebi a pastinha tinha muito mais textos de trabalho e faziam exatos seis meses que não postava nada, “simexi”. Até daqui outros seis. Quiçá.
Cansada de tanta diplomacia, assim que pode levou o papel no INSS e resolveu, definitivamente, que daria férias aos seus pés cansados. Já viúva, procurou um bom partido e sossegou o facho. Num dia desses de lá para cá, seu mundo quase virou quando viveu a iminência de ser uma nova rica, fruto de um sorteio de uma das loterias nacionais. Naquela noite nem dormira, pensando em quantos e como iria ajudar.
Na manhã seguinte, Candinha bateu tamanca no calçadão. Ralhou com a mocinha da casa lotérica. Cismava que as seis dezenas estavam erradas. Que as da folhinha em mãos eram as que davam direito à bolada. Demorou algumas horas para se dar conta de que alguém tinha anotado seus números e passado como as sorteadas. Voltou para casa tão pobre quanto antes.
Pois um dia, o marido passou mal. Voltou para casa numa cadeira de rodas e meses depois mudou seu endereço para o céu. Deixou a cama e a casa da Candinha vazia. Luto finito, foi a um desses encontros de idosos. Insistência de uma amiga, “aquela velha que tem cheiro de casa suja”, referia-se enquanto a outra não estava por perto.
No salão, acomodava a taróba na cadeira e de lá saia só quando a última seresta soasse. Foi na semana seguinte, outra vez. Viu o baile todo passar em frente ao seu nariz e se levantou apenas para fazer um xixinho. E assim eram os bailinhos dali por diante. Familiarizados com a figura de Candinha, os velhinhos tentavam tirar a senhora para bailar. Eram todos repelidos. Os mais insistentes tomavam pisão no pé.
Ao final de mais um evento do gênero, a amiga perguntou porquê ela não dançava com os senhores, porquê ficava de telespectadora das festinhas. A resposta estava pronta para escorrer pela língua e ganhar o ambiente. “Enquanto todos saem cansados, vou para casa com os meus pés descansados”, afirmou Candinha, fazendo jus ao voto de férias às extremidades dos membros inferiores.
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NdA:
Abraços aos que não perderam a esperança de um novo post.
Quando percebi a pastinha tinha muito mais textos de trabalho e faziam exatos seis meses que não postava nada, “simexi”. Até daqui outros seis. Quiçá.
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
O morcegão do rancho
Ar puro, verde ao redor e o cacarejar do galo aos primeiros raios do dia. Era tudo que Antônio desejara. Após anos e anos de trabalho em uma autarquia do Estado em que nasceu e outros empreendimentos que não deram tão certo, porém não causaram prejuízos ou traumas, o Tunico enfim conseguira a desejada casinha no campo.
Acordava cedo, com os galos a cantar e se embrenhava nas matas. Cuidava de sua propriedade, sempre a pensar em criar bichos e grãos. Entretanto, antes de buscar meios de fazer com que a propriedade fosse próspera, era preciso implementar melhorias na estrutura física do sitio que já possuía porteira e ainda clamava por nome e placa.
Arduamente, construiu um ranchinho para guardar os apetrechos que tinha e adquiria para manusear os artefatos da lavoura. Dia desses, deparou-se com hóspedes inesperados. A cabana passara a servir de morada de tenebrosos morcegos, que preferiram a construção bem cuidada à mata. Nascia um problema para aquelas bandas em que os problemas deveriam ser deixados de lado.
Tentou espantá-los a golpes de vassoura. Quase foi açoitado pelos voadores mamíferos e ainda quebrou o artigo utilizado na limpeza do chão de residências. Com o conhecimento acumulado ao longo dos anos, pensou em soluções em que a razão dava lugar a força física. Ao assistir um filme de terror durante uma noite tivera a idéia: colocaria dentes de alho próximo ao local para afugentar os malígnos.
Dito e feito. Deu três dias para que os asquerosos bichinhos deixassem o local batendo as asas. Terminado o prazo, foi ao rancho assim que acordou para regozijar-se com o feito. Ao adentrar ao rancho percebeu que os animais continuavam a freqüentar o local. Pior. Andavam famintos e comeram os alhos. Deu um tapa na testa e franziu as feições. “Esqueci de colocar a água benta”.
Acordava cedo, com os galos a cantar e se embrenhava nas matas. Cuidava de sua propriedade, sempre a pensar em criar bichos e grãos. Entretanto, antes de buscar meios de fazer com que a propriedade fosse próspera, era preciso implementar melhorias na estrutura física do sitio que já possuía porteira e ainda clamava por nome e placa.
Arduamente, construiu um ranchinho para guardar os apetrechos que tinha e adquiria para manusear os artefatos da lavoura. Dia desses, deparou-se com hóspedes inesperados. A cabana passara a servir de morada de tenebrosos morcegos, que preferiram a construção bem cuidada à mata. Nascia um problema para aquelas bandas em que os problemas deveriam ser deixados de lado.
Tentou espantá-los a golpes de vassoura. Quase foi açoitado pelos voadores mamíferos e ainda quebrou o artigo utilizado na limpeza do chão de residências. Com o conhecimento acumulado ao longo dos anos, pensou em soluções em que a razão dava lugar a força física. Ao assistir um filme de terror durante uma noite tivera a idéia: colocaria dentes de alho próximo ao local para afugentar os malígnos.
Dito e feito. Deu três dias para que os asquerosos bichinhos deixassem o local batendo as asas. Terminado o prazo, foi ao rancho assim que acordou para regozijar-se com o feito. Ao adentrar ao rancho percebeu que os animais continuavam a freqüentar o local. Pior. Andavam famintos e comeram os alhos. Deu um tapa na testa e franziu as feições. “Esqueci de colocar a água benta”.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Título pela janela
Na hora não teve dúvida. Imitou os gestos de papai e saiu pulando pela sala, entre os sofás e a mesa de centro. Mesmo sem ter uma noção exata do que aquilo representava, aos tenros 10 anos. Vendo o entusiasmo do herdeiro, tomou-o entre os braços e jogava o rebento para o alto. Por pouco o menino não bate com a cabeça no teto. Naquele momento isso nem passava pela cabeça pelo então jovem pai. O ano era 1992 e o Flamengo era campeão brasileiro pela quinta vez. Ou quarta, como queiram.
Desde então, o que parecia ser uma atitude de seguir os passos do pai, tornou-se uma paixão. Posteriormente concretizada em amor. Quiçá religião. Porém o tempo tratou de arrefecer o arrebatador sentimento e a relação esfriou, como muitos casais. O desempenho frente aos grandes clubes do país nos anos posteriores obrigou o rapaz a crescer e a arrefecer o entusiasmo pela combinação vermelho e preto. Quando podia, assistia ao time do coração pela tela do televisor.
Em poucas oportunidades foi ao estádio mais próximo para ver os guerreiros que vestiam aquele manto. Já consciente de que o esquadrão estava à sombra do formado por Júnior, Zinho e companhia. Enquanto os amigos e colegas de trabalho esbravejavam em defesa da respectiva equipe querida, já adulto preferia escutar atento, sem dar tanto pitaco. Temia que a frustração de outrora retornasse. Assim, não fazia muita questão de acompanhar as partidas pela televisão. Contentava-se em ver os resultados nas tabelas impressas nos jornais de segunda-feira e acompanhar os gols da rodada no domingo à noite.
E foi dessa forma que viu o clube faturar vitórias e criar novos ídolos. Com gols de Adriano e Pet, o Rubro-negro subiu pelas tabelas. Temendo que algo ocorresse, preferiu manter a velha tática: não acompanhar ferrenhamente o time em campo e checar as manchetes e tabelas no dia seguinte. Às vésperas e próximo de mais um título, o crescido torcedor já sabe como serão duas horas do próximo domingo. Com o apito final, espera que urro das ruas soe por as janelas. Só assim, como 17 anos atrás, saia aos pulos e gritos entre os sofás e a mesa de centro.
Desde então, o que parecia ser uma atitude de seguir os passos do pai, tornou-se uma paixão. Posteriormente concretizada em amor. Quiçá religião. Porém o tempo tratou de arrefecer o arrebatador sentimento e a relação esfriou, como muitos casais. O desempenho frente aos grandes clubes do país nos anos posteriores obrigou o rapaz a crescer e a arrefecer o entusiasmo pela combinação vermelho e preto. Quando podia, assistia ao time do coração pela tela do televisor.
Em poucas oportunidades foi ao estádio mais próximo para ver os guerreiros que vestiam aquele manto. Já consciente de que o esquadrão estava à sombra do formado por Júnior, Zinho e companhia. Enquanto os amigos e colegas de trabalho esbravejavam em defesa da respectiva equipe querida, já adulto preferia escutar atento, sem dar tanto pitaco. Temia que a frustração de outrora retornasse. Assim, não fazia muita questão de acompanhar as partidas pela televisão. Contentava-se em ver os resultados nas tabelas impressas nos jornais de segunda-feira e acompanhar os gols da rodada no domingo à noite.
E foi dessa forma que viu o clube faturar vitórias e criar novos ídolos. Com gols de Adriano e Pet, o Rubro-negro subiu pelas tabelas. Temendo que algo ocorresse, preferiu manter a velha tática: não acompanhar ferrenhamente o time em campo e checar as manchetes e tabelas no dia seguinte. Às vésperas e próximo de mais um título, o crescido torcedor já sabe como serão duas horas do próximo domingo. Com o apito final, espera que urro das ruas soe por as janelas. Só assim, como 17 anos atrás, saia aos pulos e gritos entre os sofás e a mesa de centro.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
O pecado da gula visto sob os olhos de uma criança
Por Samira Pereira
Sempre fui uma criança ativa e cheia de ideias mirabolantes. Aprontei muito – de forma saudável-, e não nego, sou responsável por grande parte dos fios de cabelos brancos que se encontram nas cabeças de meus pais. Posso citar intermináveis exemplos de minha peraltice, mas aqui enalteço uma, que por acaso era um dos meus maiores divertimentos. Costumava achar os pedaços de barro mais bonitos do barranco que fica próximo à minha casa. Depois deste árduo trabalho, dividia as partezinhas em bronze, prata e ouro, conforme sua beleza e cor. Por fim, após passar horas procurando e separando, comia todas elas. Isso mesmo. Pode parecer coisa de gente louca, mas eu considero algo típico de criança. É verdade que nunca vi nenhuma delas fazendo isto, mas não deixo de pensar que a brincadeira é própria da idade - cerca de cinco anos.
Quando fui descoberta por minha mãe, levei uma baita bronca. Ela alegava que eu ficaria doente, teria que levar várias injeções e ficar internada. Papo de mãe, não é mesmo? Discurso muito parecido ao de quando ela percebeu que eu comia todas as cabecinhas vermelhas dos palitos de fósforo. Afinal, fósforo é um elemento químico. E este tipo de substância faz bem ao corpo humano. Pelo menos era isso que eu imaginava. Pensava estar me fortalecendo provando aquelas deliciosas pontinhas cor da paixão que estalavam na boca. Elas eram azedinhas, como eu gostava. Depois de destruir várias caixas dos palitos, fui obrigada e deixá-los de lado. O medo de ir ao hospital era maior do que a vontade de comer.
E assim, deixando-me levar pelo pecado da gula, tomei chá de formiga, já que diziam ser bom para dor de barriga e comi capim, que era um vegetal (sempre soube que as folhas faziam bem ao organismo) que as vacas saboreavam com tanto gosto. Hoje, olho para trás e percebo o quão inocente e sapeca fui durante a minha infância. A curiosidade era maior que a razão. Sempre foi, e por vezes continua sendo. Não como mais o barro nem a cabeça do fósforo porque sei que existem alimentos um pouco mais saudáveis e apetitosos que eu possa saborear. Também não provo mais folhinhas de capim, deixo para as vacas, elas parecem mais felizes com a comida. E o chá de formigas? Prefiro deixar os bichinhos viverem em paz.
São pedacinhos de uma infância repleta de lembranças, e boas lembranças. Quando tiver um filho, alertarei que a porta do hospital é a serventia da casa... Se ele vier a comer algo incomum ao meu atual paladar, a injeção é certa. Assim como a palmada se cortar em retalhos o jogo de lençol novo. Mas deixa pra lá, esta já é outra história!
Sempre fui uma criança ativa e cheia de ideias mirabolantes. Aprontei muito – de forma saudável-, e não nego, sou responsável por grande parte dos fios de cabelos brancos que se encontram nas cabeças de meus pais. Posso citar intermináveis exemplos de minha peraltice, mas aqui enalteço uma, que por acaso era um dos meus maiores divertimentos. Costumava achar os pedaços de barro mais bonitos do barranco que fica próximo à minha casa. Depois deste árduo trabalho, dividia as partezinhas em bronze, prata e ouro, conforme sua beleza e cor. Por fim, após passar horas procurando e separando, comia todas elas. Isso mesmo. Pode parecer coisa de gente louca, mas eu considero algo típico de criança. É verdade que nunca vi nenhuma delas fazendo isto, mas não deixo de pensar que a brincadeira é própria da idade - cerca de cinco anos.
Quando fui descoberta por minha mãe, levei uma baita bronca. Ela alegava que eu ficaria doente, teria que levar várias injeções e ficar internada. Papo de mãe, não é mesmo? Discurso muito parecido ao de quando ela percebeu que eu comia todas as cabecinhas vermelhas dos palitos de fósforo. Afinal, fósforo é um elemento químico. E este tipo de substância faz bem ao corpo humano. Pelo menos era isso que eu imaginava. Pensava estar me fortalecendo provando aquelas deliciosas pontinhas cor da paixão que estalavam na boca. Elas eram azedinhas, como eu gostava. Depois de destruir várias caixas dos palitos, fui obrigada e deixá-los de lado. O medo de ir ao hospital era maior do que a vontade de comer.
E assim, deixando-me levar pelo pecado da gula, tomei chá de formiga, já que diziam ser bom para dor de barriga e comi capim, que era um vegetal (sempre soube que as folhas faziam bem ao organismo) que as vacas saboreavam com tanto gosto. Hoje, olho para trás e percebo o quão inocente e sapeca fui durante a minha infância. A curiosidade era maior que a razão. Sempre foi, e por vezes continua sendo. Não como mais o barro nem a cabeça do fósforo porque sei que existem alimentos um pouco mais saudáveis e apetitosos que eu possa saborear. Também não provo mais folhinhas de capim, deixo para as vacas, elas parecem mais felizes com a comida. E o chá de formigas? Prefiro deixar os bichinhos viverem em paz.
São pedacinhos de uma infância repleta de lembranças, e boas lembranças. Quando tiver um filho, alertarei que a porta do hospital é a serventia da casa... Se ele vier a comer algo incomum ao meu atual paladar, a injeção é certa. Assim como a palmada se cortar em retalhos o jogo de lençol novo. Mas deixa pra lá, esta já é outra história!
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
O segredo dele
Ele via a faixa dos 50 à sua frente, pertinho. Ela recém cruzara as dos 40, pouco tempo depois. Se tivessem se conhecido anos antes, jamais imaginariam que um dia haveria “ois” e “boa tarde” entre os dois. A sugestão foi de uma amiga em comum, irmã dela, casada com o amigo do quase cinquentão. No bom sentido, a moça introduziu um ao outro. Ela recatada, ele mais rodado que o estepe do motorhome do Tio Sebastião.
A introdutora alertara: “É um caco. Mas, é um caco bom, sabe?”, resumindo para a irmã mais velha. Conheceram-se, trocaram telefones. Também carícias, telefonemas depois. Ele estava sozinho há alguns meses. Ela há alguns verões. “Por que não?”, pensavam em uníssono, cada um de sua janela. Engataram. E assim ficaram durante o período permitido.
Empresário com negócios no exterior, passara o período de férias em terreno brazuca. Ele precisava retomar o ganha-pão além mar deixado para trás, meses antes. Apaixonada, ela não conseguia entender como o forte candidato a impor a coroa de príncipe encantado a deixaria ali. Depois de anos de ventania, enfim conseguira catar um pedaço de papel.
Ele foi. Ela não. O primeiro manteve sua rotina de trabalhos quase forçados em terras inóspitas. A cidadã teve de encarar novamente o vento forte à cara. Com ele por lá e com a ferida da partida ainda aberta, ela voltou à realidade e encontrou um novo candidato à tampa da sua panela. Envolveu-se com o “tampa” e apresentou-o aos pais. Estava certa que finalmente encontrara a sandália para seus pés tão cansados.
Ele voltou para o período de férias em terras canárias. Ela estava com o “tampa”, ainda que as coisas não andassem em ebulição, como presumia como seria o amor de sua vida. Ele voltou à labuta, novamente, de olho num cargo diplomático na terra-natal. Ela manteve o “tampa”, até que a fervura do caldo levantou e tornou a situação insustentável. Após a decepção, decidira que tão cedo não iria se envolver com alguém e apresentá-lo aos fadigados pais e mães.
Ele voltou, como de hábito, absoluto que adquiriria o cargo cobiçado, e depois, conquistado. Ela pensava em dar um tempo nesta história de tampas e sandálias. Prometera às suas primogênitas que ficaria longe de par de calças que aparecessem em meio aos fortes ventos. Porém, ao saber da condição dela, ele encheu-se de esperança. Ainda que contida, ela nutria algumas esperanças.
Ocasionalmente, ele a procurara em meio ao tumulto de um baile badalado na cidadezinha querida. Ela confessou o que ocorrera até ali e a condição de panela destampada em que se encontrava. Porém, alertou que a pressão familiar era das grandes. Que tão cedo não deveria haver envolvimento, com medo das reprimendas do paterno. Tornaram-se segredo. Diante da platéia.
Encontravam-se furtivamente, mantendo a chama de anos atrás viva. Tudo era levado em absoluto sigilo. Ela dizia que iria à até esquina comprar cigarros – mesmo sendo não adepta ao tabagismo. Já que morava sozinho, ele não dava muitas explicações. Passara a chamá-la de “meu segredo”. Fins de semana e durante os dias de labuta, os dois encontravam-se vez ou outra. Passavam a limpo os dias desde a última vez que se encontraram e davam continuidade aquele pacto. Carinhosamente, ele a chamava de “meu segredo”. Ela adorava aquilo, como doce palavras fossem.
Porém, a cada dia, o segredo parecia com tudo menos um segredo. Saiam separados, mas compartilhavam a mesma mesa no bar. Em seguida, saiam juntos e compartilhavam a mesma mesa do barzinho. Na cara dura, ainda que “meu segredo”. Ela contara às filhas, que reagiram com receio. Ele, aos seus garotos, que manifestaram esperança de o papai já cinquentinha, como preferia, sossegasse seu facho.
Numa destas saídas do quase decifrável segredo, ele não se conteve. Puxou a senhorinha para dançar no embalo da banda do barzinho _ com um pianista afinadíssimo. A turma de cidade pequena, boquiaberta desviara a atenção para a cena. Ao soar a última nota, embriagado pela situação, ele tascara aquele beijo na boca. Uns afirmar categóricos terem visto uma língua entre os lábios. Revelara aos munícipes o que antes reprimia diante de toda a sociedade.
Segredo revelado, pediu a ela uma desculpa solene. Teria passado dos limites naquele momento. Ainda, que não gostaria de alimentar falsas esperanças nela. Desfariam o re-relacionamento. Desmancharam os laços. Ele alegava para si e aos mais próximos: “Bom mesmo era o segredo”, justificou.
A introdutora alertara: “É um caco. Mas, é um caco bom, sabe?”, resumindo para a irmã mais velha. Conheceram-se, trocaram telefones. Também carícias, telefonemas depois. Ele estava sozinho há alguns meses. Ela há alguns verões. “Por que não?”, pensavam em uníssono, cada um de sua janela. Engataram. E assim ficaram durante o período permitido.
Empresário com negócios no exterior, passara o período de férias em terreno brazuca. Ele precisava retomar o ganha-pão além mar deixado para trás, meses antes. Apaixonada, ela não conseguia entender como o forte candidato a impor a coroa de príncipe encantado a deixaria ali. Depois de anos de ventania, enfim conseguira catar um pedaço de papel.
Ele foi. Ela não. O primeiro manteve sua rotina de trabalhos quase forçados em terras inóspitas. A cidadã teve de encarar novamente o vento forte à cara. Com ele por lá e com a ferida da partida ainda aberta, ela voltou à realidade e encontrou um novo candidato à tampa da sua panela. Envolveu-se com o “tampa” e apresentou-o aos pais. Estava certa que finalmente encontrara a sandália para seus pés tão cansados.
Ele voltou para o período de férias em terras canárias. Ela estava com o “tampa”, ainda que as coisas não andassem em ebulição, como presumia como seria o amor de sua vida. Ele voltou à labuta, novamente, de olho num cargo diplomático na terra-natal. Ela manteve o “tampa”, até que a fervura do caldo levantou e tornou a situação insustentável. Após a decepção, decidira que tão cedo não iria se envolver com alguém e apresentá-lo aos fadigados pais e mães.
Ele voltou, como de hábito, absoluto que adquiriria o cargo cobiçado, e depois, conquistado. Ela pensava em dar um tempo nesta história de tampas e sandálias. Prometera às suas primogênitas que ficaria longe de par de calças que aparecessem em meio aos fortes ventos. Porém, ao saber da condição dela, ele encheu-se de esperança. Ainda que contida, ela nutria algumas esperanças.
Ocasionalmente, ele a procurara em meio ao tumulto de um baile badalado na cidadezinha querida. Ela confessou o que ocorrera até ali e a condição de panela destampada em que se encontrava. Porém, alertou que a pressão familiar era das grandes. Que tão cedo não deveria haver envolvimento, com medo das reprimendas do paterno. Tornaram-se segredo. Diante da platéia.
Encontravam-se furtivamente, mantendo a chama de anos atrás viva. Tudo era levado em absoluto sigilo. Ela dizia que iria à até esquina comprar cigarros – mesmo sendo não adepta ao tabagismo. Já que morava sozinho, ele não dava muitas explicações. Passara a chamá-la de “meu segredo”. Fins de semana e durante os dias de labuta, os dois encontravam-se vez ou outra. Passavam a limpo os dias desde a última vez que se encontraram e davam continuidade aquele pacto. Carinhosamente, ele a chamava de “meu segredo”. Ela adorava aquilo, como doce palavras fossem.
Porém, a cada dia, o segredo parecia com tudo menos um segredo. Saiam separados, mas compartilhavam a mesma mesa no bar. Em seguida, saiam juntos e compartilhavam a mesma mesa do barzinho. Na cara dura, ainda que “meu segredo”. Ela contara às filhas, que reagiram com receio. Ele, aos seus garotos, que manifestaram esperança de o papai já cinquentinha, como preferia, sossegasse seu facho.
Numa destas saídas do quase decifrável segredo, ele não se conteve. Puxou a senhorinha para dançar no embalo da banda do barzinho _ com um pianista afinadíssimo. A turma de cidade pequena, boquiaberta desviara a atenção para a cena. Ao soar a última nota, embriagado pela situação, ele tascara aquele beijo na boca. Uns afirmar categóricos terem visto uma língua entre os lábios. Revelara aos munícipes o que antes reprimia diante de toda a sociedade.
Segredo revelado, pediu a ela uma desculpa solene. Teria passado dos limites naquele momento. Ainda, que não gostaria de alimentar falsas esperanças nela. Desfariam o re-relacionamento. Desmancharam os laços. Ele alegava para si e aos mais próximos: “Bom mesmo era o segredo”, justificou.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Em 30 minutos, talvez 40
Iniciar, Programas, Microsoft Office, Word. Fica a pergunta: por que “palavra” se todos usam para escrever mais de uma? Vai saber. A tela predominante branca, representando uma folha, é um convite ou um desafio? Mais uma pergunta que fica sem resposta. Pelo menos a primeira palavra está definida. Coloco o nome da cidade, espaço, um traçinho e outro espaço. Uma das obrigações do texto do diário em que a história deverá ser publicada.
Feito isso em um segundo, quem sabe um pouco mais, a barrinha vertical cisma em ficar piscando. Clamando por mais palavras, por mais trabalho. Com a mão direita espalmada, coço o queixo, às vezes habitado pela barba rala meio alourada. As costas pressionam o encosto e cadeira vai para trás. As rodinhas me afastam das letrinhas estampadas do teclado. Olho para o teto. Continua da mesma cor da semana passada. Coloco algumas palavras. Não me agrada. Apago selecionando tudo e pressiono o delete. Fica só o nome da cidade na frente mesmo. Displicente, digito despretensiosamente “siodjsaidjiasdja”. Repito a operação anterior.
Uma nova idéia, novas palavras começam a formar o que horas depois será lido por uma grande porção de pessoas ou meia dúzia. Sai a primeira fase, começa a segunda. Jogo tudo isso numa outra linha e começo novamente. Agora vai. Foi. O que sobrou foi apagado. Um parágrafo, com umas cinco ou seis linhas. Algumas vezes tem sete ou até oito. Penso que as seguintes deverão ter o mesmo tamanho. Sempre me lembro de um livro do jornalista Ricardo Noblat quando escrevo o primeiro parágrafo. O cara tem mania de escrever todos os parágrafos do mesmo tamanho.
Tento, mas sempre há os que ficam maiores, outros menores. Não dou bola. Coloco mais algumas palavras e recorro às anotações. “Cadê aquele parte em que o cara falava sobre a estimativa para o próximo mês?”, converso mentalmente. Achei. De primeira não entendo aqueles rabiscos e garranchos. Observo novamente, abro aspas e toco o que o cara falou. Fecho e coloco o nome do carinha e sua profissão depois da vírgula.
Procuro na internet algo relacionado. Às vezes serve. Opa, já estou pra começar o quarto parágrafo. Olhos os três anteriores e me dou conta que não estão do mesmo tamanho. Deixo a mesa para saber qual o espaço, em que página será acomodado aquilo tudo. Aproveito e deixo a sala. Tomo um copo d’água, pego um cafezinho. Comento algo com alguém e volto a me sentar. Reviso o que foi escrito até ali. Conferir se não passou uma bobagem e para poder retomar o assunto.
Escrevo mais um ou dois parágrafos. Será que está pronto? No texto sobram afirmações, nos meus pensamentos as interrogações. Para tentar me convencer, nova revisão. Desta vez mais criteriosa, de olho em possíveis erros – digitação, palavras repetidas e até o estilo. Recordo de uma informação bacana que cairia bem depois da primeira fase do parágrafo três. Escrevo e gosto. Fica ali. Volto umas três sentenças antes para continuar a correção. Acredito que está bom. Não! “Ufa”, suspiro. Ponto final.
Feito isso em um segundo, quem sabe um pouco mais, a barrinha vertical cisma em ficar piscando. Clamando por mais palavras, por mais trabalho. Com a mão direita espalmada, coço o queixo, às vezes habitado pela barba rala meio alourada. As costas pressionam o encosto e cadeira vai para trás. As rodinhas me afastam das letrinhas estampadas do teclado. Olho para o teto. Continua da mesma cor da semana passada. Coloco algumas palavras. Não me agrada. Apago selecionando tudo e pressiono o delete. Fica só o nome da cidade na frente mesmo. Displicente, digito despretensiosamente “siodjsaidjiasdja”. Repito a operação anterior.
Uma nova idéia, novas palavras começam a formar o que horas depois será lido por uma grande porção de pessoas ou meia dúzia. Sai a primeira fase, começa a segunda. Jogo tudo isso numa outra linha e começo novamente. Agora vai. Foi. O que sobrou foi apagado. Um parágrafo, com umas cinco ou seis linhas. Algumas vezes tem sete ou até oito. Penso que as seguintes deverão ter o mesmo tamanho. Sempre me lembro de um livro do jornalista Ricardo Noblat quando escrevo o primeiro parágrafo. O cara tem mania de escrever todos os parágrafos do mesmo tamanho.
Tento, mas sempre há os que ficam maiores, outros menores. Não dou bola. Coloco mais algumas palavras e recorro às anotações. “Cadê aquele parte em que o cara falava sobre a estimativa para o próximo mês?”, converso mentalmente. Achei. De primeira não entendo aqueles rabiscos e garranchos. Observo novamente, abro aspas e toco o que o cara falou. Fecho e coloco o nome do carinha e sua profissão depois da vírgula.
Procuro na internet algo relacionado. Às vezes serve. Opa, já estou pra começar o quarto parágrafo. Olhos os três anteriores e me dou conta que não estão do mesmo tamanho. Deixo a mesa para saber qual o espaço, em que página será acomodado aquilo tudo. Aproveito e deixo a sala. Tomo um copo d’água, pego um cafezinho. Comento algo com alguém e volto a me sentar. Reviso o que foi escrito até ali. Conferir se não passou uma bobagem e para poder retomar o assunto.
Escrevo mais um ou dois parágrafos. Será que está pronto? No texto sobram afirmações, nos meus pensamentos as interrogações. Para tentar me convencer, nova revisão. Desta vez mais criteriosa, de olho em possíveis erros – digitação, palavras repetidas e até o estilo. Recordo de uma informação bacana que cairia bem depois da primeira fase do parágrafo três. Escrevo e gosto. Fica ali. Volto umas três sentenças antes para continuar a correção. Acredito que está bom. Não! “Ufa”, suspiro. Ponto final.
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Casal Jota
Em comum tinham apenas o “jota” grafado no início dos nomes. Assim era uns dez anos antes, quando tiveram o primeiro contato. Na época o rapaz nem sabia o que queria ser quando crescer. A moça ensaiava os primeiros passos na profissão. Porém, não trocavam muitas palavras. Nada além de “oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. E assim foi por volta de três pares de anos.
Passado o período tornaram-se colegas de profissão. Cada qual no seu emprego. Tinham a mesma formação. Trabalhavam em setores diferentes, ainda que correlacionados. A menina abastecia com informações empresas do gênero em que ele labutava. Ainda assim, os contatos ficavam no “oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. Acrescidos de “alguma novidade por ai?”, de ambos os lados, praticamente. Por motivos meramente profissionais, os dois começaram se aproximar. Coisas de trabalho.
Deve ter sido motivado por algum grande acontecimento na empresa em que a moça dava o sangue. Ele cumpria com suas obrigações no local de trabalho. Por força da labuta, passaram a se falar com mais freqüência: “oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. “Acha que dá para mandar aquele material até terça? Conseguiu marcar com aquele professor de química?”.
Em meio aos assuntos, descobriam um pouco mais sobre um e outro. Assim, guardavam para si “Ele é bacana, inteligente”, pensava a mocinha. “Ô lá em casa”, suspirava o guri. Porém, quando se encontravam em ocasiões de trabalho permanecia o rito “oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. Foi durante uma conversa com um amigo em comum que os pensamentos contidos foram externados. O coleguinha tratou logo de fazer às vezes de cupido. Ou pombo correio. Vai saber.
Numa determinada festa, encontraram-se. “Oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. E ficaram um a cercar o outro. Ambos aguardavam um ato, uma palavra que confirmasse o que o bocudo dissera. Passada a tensão e, lá pelas tantas, tiraram aquela história toda a limpo. Beijaram-se, trocaram confidências, números de telefones particulares e promessas de “me liga”, “vamos combinar alguma coisa”.
Passado um semestre, conversam menos durante o trabalho e mais em seus momentos de vida privada. Os papos são alongados, ainda que mantenham as saudações de uma década, acrescido de um vocábulo: “Oi, amor”, “oi”, “tudo bem, amor?”, “tuuudo, môr”.
Passado o período tornaram-se colegas de profissão. Cada qual no seu emprego. Tinham a mesma formação. Trabalhavam em setores diferentes, ainda que correlacionados. A menina abastecia com informações empresas do gênero em que ele labutava. Ainda assim, os contatos ficavam no “oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. Acrescidos de “alguma novidade por ai?”, de ambos os lados, praticamente. Por motivos meramente profissionais, os dois começaram se aproximar. Coisas de trabalho.
Deve ter sido motivado por algum grande acontecimento na empresa em que a moça dava o sangue. Ele cumpria com suas obrigações no local de trabalho. Por força da labuta, passaram a se falar com mais freqüência: “oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. “Acha que dá para mandar aquele material até terça? Conseguiu marcar com aquele professor de química?”.
Em meio aos assuntos, descobriam um pouco mais sobre um e outro. Assim, guardavam para si “Ele é bacana, inteligente”, pensava a mocinha. “Ô lá em casa”, suspirava o guri. Porém, quando se encontravam em ocasiões de trabalho permanecia o rito “oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. Foi durante uma conversa com um amigo em comum que os pensamentos contidos foram externados. O coleguinha tratou logo de fazer às vezes de cupido. Ou pombo correio. Vai saber.
Numa determinada festa, encontraram-se. “Oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tuuudo”. E ficaram um a cercar o outro. Ambos aguardavam um ato, uma palavra que confirmasse o que o bocudo dissera. Passada a tensão e, lá pelas tantas, tiraram aquela história toda a limpo. Beijaram-se, trocaram confidências, números de telefones particulares e promessas de “me liga”, “vamos combinar alguma coisa”.
Passado um semestre, conversam menos durante o trabalho e mais em seus momentos de vida privada. Os papos são alongados, ainda que mantenham as saudações de uma década, acrescido de um vocábulo: “Oi, amor”, “oi”, “tudo bem, amor?”, “tuuudo, môr”.
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Pompeu, a lenda
Talvez pela proximidade entre as duas palavras, boa parte acredita que legendário tem a ver com legenda. Nada disso. Legendário é uma capacidade, uma aptidão, para poucos. Antes do sujeito vir ao mundo dos vivos brilhar e causar, papai do céu tasca o carimbinho. Legendário é a potenciabilidade do cidadão em se tornar uma lenda. Pois esta é uma história sobre uma delas. Hoje, dado o remoto tempo, uma lenda urbana mantida viva pela lembrança de uma meia dúzia.
Desde seus primeiros aniversários, Pompeu parecia um rapaz como todos os outros. Quando garoto queria ser ponta esquerda de um famoso clube do futebol, na época em ascensão. Admirado em sua terra natal, conquistaria o mundo e seus dólares. Vestiria a amarelinha. Fariam carreatas na cidade em que cresceu quando viesse passar suas férias. Porém, como todo sonho de menino, perdera o interesse. Destinava seus esforços em adquirir conhecimento e ser um cidadão direito.
E assim fora por um longo período. Até, certo dia, cansado da monotonia à espreita, decidiu que faria as coisas diferentes. Queria o inusitado. Causar mesmo. Sem fazer muito esforço, apenas dando vazão aos devaneios, cativava colegas. Juntava amigos. Era o cara da turma. Nas festinhas, enchia a própria latinha sem medo. Mamava como um cordeiro desgarrado. Assim, colocava em prática o que lhe ocorria. Passou a ser atração e sinônimo de diversão garantida ao subir nos palcos espalhados pela geografia do entorno.
Nas formaturas universitárias, só esperava a chamada para congratulação de ex-acadêmicos em cima do “stage” ao som de “Amigos para Siempre”. Estava ele, ditando o ritmo da banda. Puxando as coreografias inusitadas. Levando ao delírio a ror. Não tinha erro. No show do grupo local ou de uma bandinha dos arredores, lá estava ele. Animado, coreografado e mamado. Assim era Pompeu.
O assédio era intenso. Os seguranças já o conheciam. Dizem que umas duas empresas distribuíam fotografias do rapaz entre seus profissionais para coibir sua ação. Era tido como “O Impostor”, do Pânico na TV, daquele tempo. Burlava sistemas e tava lá no alto. Causando. Foi quando tentou o seu golpe mais agudo. No show de um cantor popularesco em uma cidade vizinha. O interprete, na época, andava em alta. Sua música era a mais tocada nas rádios com programação dedicada as domésticas, vigias e porteiros.
Na determinada hora e local, lá estava ele. As primeiras dancinhas rolavam e ele alongava. Na hora do bis era certo que soaria a canção contagiava corações, matinês e preferências. Soaram os primeiros acordes e foi na turma do gargarejo. Na hora do refrão, no vacilo da linha defensiva, lá estava ele. Ensinando o ídolo de muitos que aquela dança era para poucos. Foi ovacionado e tirado de sobre o palco.
Parcos registros fotográficos mantém a prova cabal. O assunto tomou conta da região sul de todo o globo terrestre. Editores estampavam manchetes e reclamavam da falta de imagens de Pompeu. Os chegados prepararam uma homenagem. Destituída quando saiu um decreto municipal, publicado em forma de edital. O prefeito em pessoa entregaria a chave da cidade ao autor da façanha. Quem sabe até ofertaria uma cadeira numa repartição. Mas desde então, resolveu deixar as estripulias de lado. No dia do retorno, desviou a atenção dos batedores da Polícia Militar. Entrou pelos fundos. Deixou o circo armado a esperar até que cansassem e desistissem daquela homenagem.
E até hoje, numa formatura universitária, num show de um artista apreciado, uns se relembram com lágrimas nos olhos. Ainda que o sorriso esteja no rosto. Outros ao ouvir a canção “Festa no apê”, levantam-se, colocam os braços para trás, com uma mão segurando a outra, sobre a lomba das nádegas, e aguardam até o fim da melodia em respeito à lenda que ficou para trás sem deixar o legado ou herdeiros.
Desde seus primeiros aniversários, Pompeu parecia um rapaz como todos os outros. Quando garoto queria ser ponta esquerda de um famoso clube do futebol, na época em ascensão. Admirado em sua terra natal, conquistaria o mundo e seus dólares. Vestiria a amarelinha. Fariam carreatas na cidade em que cresceu quando viesse passar suas férias. Porém, como todo sonho de menino, perdera o interesse. Destinava seus esforços em adquirir conhecimento e ser um cidadão direito.
E assim fora por um longo período. Até, certo dia, cansado da monotonia à espreita, decidiu que faria as coisas diferentes. Queria o inusitado. Causar mesmo. Sem fazer muito esforço, apenas dando vazão aos devaneios, cativava colegas. Juntava amigos. Era o cara da turma. Nas festinhas, enchia a própria latinha sem medo. Mamava como um cordeiro desgarrado. Assim, colocava em prática o que lhe ocorria. Passou a ser atração e sinônimo de diversão garantida ao subir nos palcos espalhados pela geografia do entorno.
Nas formaturas universitárias, só esperava a chamada para congratulação de ex-acadêmicos em cima do “stage” ao som de “Amigos para Siempre”. Estava ele, ditando o ritmo da banda. Puxando as coreografias inusitadas. Levando ao delírio a ror. Não tinha erro. No show do grupo local ou de uma bandinha dos arredores, lá estava ele. Animado, coreografado e mamado. Assim era Pompeu.
O assédio era intenso. Os seguranças já o conheciam. Dizem que umas duas empresas distribuíam fotografias do rapaz entre seus profissionais para coibir sua ação. Era tido como “O Impostor”, do Pânico na TV, daquele tempo. Burlava sistemas e tava lá no alto. Causando. Foi quando tentou o seu golpe mais agudo. No show de um cantor popularesco em uma cidade vizinha. O interprete, na época, andava em alta. Sua música era a mais tocada nas rádios com programação dedicada as domésticas, vigias e porteiros.
Na determinada hora e local, lá estava ele. As primeiras dancinhas rolavam e ele alongava. Na hora do bis era certo que soaria a canção contagiava corações, matinês e preferências. Soaram os primeiros acordes e foi na turma do gargarejo. Na hora do refrão, no vacilo da linha defensiva, lá estava ele. Ensinando o ídolo de muitos que aquela dança era para poucos. Foi ovacionado e tirado de sobre o palco.
Parcos registros fotográficos mantém a prova cabal. O assunto tomou conta da região sul de todo o globo terrestre. Editores estampavam manchetes e reclamavam da falta de imagens de Pompeu. Os chegados prepararam uma homenagem. Destituída quando saiu um decreto municipal, publicado em forma de edital. O prefeito em pessoa entregaria a chave da cidade ao autor da façanha. Quem sabe até ofertaria uma cadeira numa repartição. Mas desde então, resolveu deixar as estripulias de lado. No dia do retorno, desviou a atenção dos batedores da Polícia Militar. Entrou pelos fundos. Deixou o circo armado a esperar até que cansassem e desistissem daquela homenagem.
E até hoje, numa formatura universitária, num show de um artista apreciado, uns se relembram com lágrimas nos olhos. Ainda que o sorriso esteja no rosto. Outros ao ouvir a canção “Festa no apê”, levantam-se, colocam os braços para trás, com uma mão segurando a outra, sobre a lomba das nádegas, e aguardam até o fim da melodia em respeito à lenda que ficou para trás sem deixar o legado ou herdeiros.
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